domingo, 26 de julho de 2009

“Venha atrás de mim”



No silencio imenso dessa cama vou memorizando todos os gestos que você já fez e não passam por mim. Analiso sem discrição os contornos de seu rosto, a total absorção, o jeito de mexer com o cabelo, o vinco da calça. Na janela, sempre na janela, um cinzeiro e maços de cigarro espalhados pelo quarto. O silencio entre nós (aquele que não é dito porque não há necessidade alguma) não se iguala ao silencio da casa, do prédio, da cidade, é dramaticamente superior.
Havia dias que meu sorriso largo não aparecia, dias em que uma amiga me dizia “você ainda cheira a sexo”. O meu sorriso não é nada mais do que o espelho de uma solidão que não é sozinha. Nada na solidão tem gosto insustentável, um mal dito. Nada. E há dias em que brinco de não gostar realmente dessa solidão. A minha historia talvez possa começar com um pé para fora da cama (porque esse não cabe nela), uma careta que amedronta, um violão de cinco cordas. Talvez. Talvez seja mesmo como a musica que embala frases quase vindas de um filme. Escrevo talvez porque tudo tem um prazo e nós temos um prazo (ainda não estabelecido). E nem tudo é claro para mim. Era claro no começo, que você seria uma passagem, um divertimento, nenhum corte em minhas regras. Eu seria apenas uma outra pessoa num tempo limitado.
Aí vejo um olhar de espanto, vindo de você (quando estava dentro de mim) que avisou algo sobre o amor. Não me lembro muito bem o que, mas foram segundos intermináveis em que eu te olhei e me vi parada, dentro de você, como se algo, enfim, pudesse ter a perfeita sintonia. Nessa altura, meu sorriso prolongou para lá de nós, encheu as ruas, senti que ele se espalhava por meu corpo como um invólucro feliz. Do meu corpo, depois, quando você passeava com sua boca, tranqüilamente, lá embaixo, percebi apenas as diferenças, a pele esguichar, o sexo redondo e uma súbita vontade de não voltar no tempo muito longe. Nessa bendita hora pensei que não foi ali que te encontrei. Soube de você mais vezes, muitas e outras vezes. Quando vi seu sono tranqüilo de dias atrás, colei meu corpo perto da cama e tentei adivinhar um esconderijo para nós bem embaixo dos lençóis, um mapa de aventuras despejado no colchão, uma forma de fugir da rejeição do mundo. Assim eu te encontrei mais uma vez, sendo como eu que não tolera a mesmice que a vida ainda nos faz passar. Então, na hora do olhar de espanto pensei que o amor era assim, acima de todas as solidões.
O que foi que nos aconteceu? O tempo pesou? Porque o tempo, para nós, não pára, é elástico com todo seu peso desnecessário. Será que aconteceu alguma coisa errada no ciclo do mundo e viramos dois amantes de clichês, de dores (juntas) acumuladas, do esquecimento em usar palavras por dizer? Pois ainda não entendo o que acontece quando uma porta se tranca e dentro do quarto há nós dois.
Nessa noite, antes de dormir, lembrei de uma frase que li em algum livro perdido em minha memória “só eu escapei para te trazer estas noticias”. E do meu lado só há noticias boas. O desdém diário que sempre sinto ao acordar, dá lugar, agora, a certeza de que, dias após dia, ainda terei uma cama para deitar com você, mesmo que a semana seja um estado de dormência, de torpor. Continuo dormindo pouco, o armário continua desarrumado, tenho ganas, às vezes, de pular o muro e dizer que tudo está muito chato, mas aí escuto seus cds, tomo um banho de memória e relembro os bons dias. Isso tudo faz com que eu espere um pouco mais para negociar um bom preço pela vida.
Calculo que você não saiba disso, que não tenha sequer lembrado de um olhar de espanto. Nunca disse nada porque não é concreto e pode, de uma maneira ou de outra, ser individual. Mas lembro do seu jeito de dizer sobre meu amor. De como me preocupo com seu medo permanente de não se encaixar, um medo de falhar, de errar, de viver, de quebrar expectativas, de desiludir. Preocupo porque amo e isso você já sabe.
A vida com você não é o que eu esperava. Afinal, achei que fosse como os outros. Não faço nada como fazia. Não me sento nos mesmos lugares, nem dou ouvidos às mesmas pessoas, procuro chorar na sua frente para acostumar com a intimidade e guardo em mim um coração que bombeia forte e descontrolado. Aposto que você também não sabia disso.
Se for voltar no final de semana, quero que você saiba que o silencio dessa cama é seu, que o violão só funciona com suas mãos. Deve saber que seus cds estão guardados, que não lembro da ultima briga e que durmo com sua camisa. Quero que você saiba que mesmo jurando um sim, não consigo te fechar a porta nem ao menos impedir que você entre. E sei mais um pouco: sei abrir a porta, olhar para trás e dizer “venha atrás de mim?!”

Ingrid

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